quarta-feira, 4 de agosto de 2010

"Nós e os outros"

O conceito de cultura ganhou extrema importância na segunda metade do século XIX e em todo século XX. O termo cultura serviu como recurso para se pensar a diferença entre povos civilizados e primitivos, desencadeando assim a diferença entre "nós" e os "outros". Tal interpretação trouxe, em alguns aspectos, uma visão nociva a respeito do homem e dos diferentes modos de desenvolvimento da vida social.
Se antes todos os seres humanos eram pensados dentro da condição de "filhos de Deus", essa visão ganhou novas interpretações. Antes pensava-se que os povos primitivos estavam no fim de um longo processo em direção a termos postos pelos antropólogos para explicar o caminho pelo qual a humanidade teria passado. Deste modo, palavras como origem, evolução e cultura, serviam como guia para se compreender a condição do homem.
Para os evolucionistas, os povos primitivos não estariam na degenerescência, mas sim, no inicio do processo de evolução. Logo, termos como evolução cultural e evolução biológica andariam lado a lado.
Somente no fim do século XIX e inicio do século XX, o discurso antropológico moderno, fez o deslocamento do uso singular para o plural. Isso porque os evolucionistas usavam a palavra cultura no singular, não pensando pois em culturas. Entendiam a cultura como universalista, como disfarce que oculta a própria identidade e, é por razão, que eles podem ser considerados etnocêntricos. Assim, não há respeito pela singularidade gerando como consequência fantasias a respeito de uma natureza humana uniforme.
A questão do "pertencimento" precisava ser pensada e isto os relativistas fizeram muito. Esse sentimento de pertencer é característica do caráter civilizador a ponto de ser aquilo que gera o orgulho e o reconhecimento.
A idéia de cultura não pode ser pensada a priori pois não se deve buscar um conceito único de cultura. O que há de fato, é uma identidade ancorada numa determinada realidade social, nem melhor, nem pior, mas contextualizada em seu próprio ancoradouro.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Tudo passa. Não há como se explicar a morte.

Desde o início da civilização é possível relacionar o surgimento das angústias metafísicas do homem com as manifestações de cultos aos mortos. Assim a morte começa a ser entendida como fronteira, como limiar de outra realidade. Talvez o sentimento avassalador das perdas de pessoas que amamos e também a iminência da nossa própria morte, estimule em nós a crença na imortalidade.
Viver e morrer são a descoberta da finitude humana e da sua temporalidade. Por mais doído que seja, é no morrer que completamos aquilo que somos e o que fomos. Para alguns filósofos, só é possível afirmar se alguém foi feliz ou infeliz quando terminam as vicissitudes da vida. Para Sêneca "quem não souber morrer bem terá vivido mal ".
O dilaceramento interno provocado pelas perdas é fruto do medo diante das rupturas e inseguranças que o novo momento representa. Nunca foi tão perturbador falar a respeito deste tema como é agora. Há no homem contemporâneo uma espécie de recusa da própria finitude e aí podemos refletir se isto significa uma fuga diante do inexorável. Em Heidegger a morte é considerada algo que dá sentido à vida, já em Sartre ela é a dimensão do absurdo.
É de Montaigne a reflexão a seguir: "Qualquer que seja a duração de nossa vida, ela é completa. Sua utilidade não reside na quantidade de duração e sim no emprego que lhes dais. Há quem viveu muito e não viveu ".

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Tempo, Destino e Liberdade Finita

Fazemos a experiência do tempo quando contamos com ele, quando consultamos o relógio, quando nos arrependemos com o tempo perdido, quando aguardamos uma data ou evento e também em muitas outras circunstâncias tristes e alegres.
A espera é um porvir até que se torne verdadeiramente presente. Faz parte da gênese da existência este contra-movimento e dentro deste contexto, a finitude e o tempo se expressam como possibilidade, mas que conserva um laço com algo que se furta e se desvia. Parece que o tempo rejeita a si próprio na medida em que se apresenta em sua finitude. Neste caso, a primazia do porvir, como tempo futuro, pode servir de consolo para o tempo presente; não esquecendo aqui de considerar o tempo como passagem.
Se é verdade que há um tempo para tudo, o que isso quer dizer? É preciso antes de tudo lembrarmos que não há tempo natural, visto que esta questão também é fruto da convenção humana na tentativa de tornar mais fácil a convivência entre os homens.
O tempo é em sua essência finito e aberto. Finito porque é mensurável, daí a nostalgia que sentimos daquilo que já passou e aberto por nos gerar imagens de um horizonte que se abre através de nossos sonhos e principalmente porque é um constante porvir.
" Derivar a historicidade da temporalidade é mostrar que a temporalidade abriga algo como um destino, que é o nome da liberdade finita." ( Martin Heidegger)

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Você não é, está sendo

Nós, seres humanos, fazemos parte de uma espécie que até o momento, revela-se muito bem sucedida em termos de sobrevivência biológica. Somos possivelmente os únicos seres vivos que povoam todas as regiões da terra, desde as mais quentes até as mais frias.
Curiosamente, é este mesmo homem que chega ao mundo como a mais impotente de todas as criaturas. É um ser inacabado e portanto vulnerável. Porém, este mesmo ser já chega ao mundo com um sistema nervoso digno de admiração e que mais tarde irá desenvolver-se graças a combinação do inacabado com a infinita maleabilidade humana que o faz amoldável. Na prática, isto implica a existência de infinitas possibilidades acessíveis ao humano.
A partir da compreensão que o homem é inacabado, podemos então refletir sobre as várias maneiras de agir. Para Epicuro "há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem."
Sendo um ser inacabado, somos obrigados a fazer escolhas e estas implicam uma concepção de certo e de errado. Mas como já dizia o sábio Sócrates: "o homem só pratica o mal quando ignora o bem." O importante é entender que sendo um animal social, que só se realiza dentro de um contexto de co-liberdade, a questão com a qual devemos nos preocupar não é pois uma simples distinção teórica entre bem e mal. É sim a construção de nossas histórias individuais a partir de um contexto onde o outro também tem que ser pensado pois mesmo condenado a ser livre, o homem é o responsável por tudo que faz, embora não tenha criado a si mesmo.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O que podemos tirar das lições de Prometeu, Orfeu e Narciso

O homem age impulsionado por necessidades de sobrevivência, para satisfazer apetites e desejos, pela necessidade de crescer ou até pelo anseio de sobrepujar-se aos outros. Para Hegel, o homem é um desejo. Para Marx, é uma necessidade, ou melhor, é um sujeito portador de necessidades.
Onde estaria então a origem da infelicidade do homem moderno? O acúmulo de erros através dos tempos nos mostra as contradições de um prazer que em si mesmo é pecaminoso; isto não no sentido religioso, mas sobretudo no que diz respeito ao remorso que este é capaz de gerar na personalidade humana. É óbvio que neste tema podemos sim nos aproximar de vários cultos religiosos que usam a autopunição e o sofrimento como forma de atenuar o direito humano à felicidade.
Parece que o homem moderno foi forjado à imagem de Prometeu, que conquistou o fogo, instruiu os homens, mas foi finalmente preso, atormentado e acorrentado. O ideal do homem, para Marcuse por exemplo, seria a figura do lírico Orfeu cantando a beleza da natureza e também do belo Narciso que, amando a si mesmo, também amaria toda a humanidade.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

O poeta cego e a atividade do pensamento

Cego é aquele que estando incapacitado de representar é livre o bastante para perceber mais atentamente o verdadeiro sentido daquilo que lhe rodeia.
Vivemos e agimos de acordo com um sentido que nos é colocado como finalidade. Desta forma, quem vive possui uma filosofia, uma concepção de mundo. Embora nem sempre manifesta, esta se aninha nas estruturas do inconsciente. De lá, ela comanda nossas vidas e norteia os nossos passos. A vida concreta de todo homem é pautada numa rede de significados, por vezes inconscientes, mas, presentes na mente a ponto de gerar as significações que atribuimos à nossa vida.
Uma coisa é querer impor um valor a um acontecimento, outra diferente, é dar voz às vozes presentes nos acontecimentos. Aí está a possibilidade do encontro de um ponto totalmente neutro onde seja possível se deixar conduzir pelo desinteresse e deste modo permitir que o sentido venha à tona. É assim que age o poeta cego, distante das pulsões oriundas dos sentidos, entrega-se por inteiro ao reino da significação e sem se dar conta, mergulhando na imparcialidade cria condições favoráveis para a significação emergir.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Estamos à mercê de acontecimentos que não estão em nossas mãos

A primazia da razão, tão almejada pelo homem como forma de libertação de um destino cego, trouxe também a preocupação com o sentido que a mesma possa produzir. Em nome da verdade corremos o risco de elevar a racionalidade a um ponto extremo capaz de gerar um aprisionamento, pois o " pensamento petrifica a vida", e, não foi esse o destino sonhado pelo homem quando buscou desesperadamente sua emancipação.
A fenomenologia, surgida no século XIX, trouxe a preocupação e juntamente, fez uma crítica ao primado da razão como forma de delinear o mundo e consequentemente nós mesmos. Mais tarde, outros pensadores, nem todos representantes desta corrente, também mostraram preocupação com esta mesma temática.
É importante não esquecer que a consciência que o homem tem do mundo é mais ampla que o mero conhecimento intelectual, pois, é ela, a consciência, a doadora de sentido para o mundo e que o olhar deste homem sobre o mundo é o modo pelo qual ele experimenta o mundo.
Portanto, a fenomenologia nada mais é do que a "filosofia da vivência", afinal, estamos condenados à liberdade.